Poesia

A dança das almas - parte I

A dança das almas
1ª parte: A saudade, o encantamento, o destino e o sonho

Já caminhei por muitos caminhos e muitas vezes o próprio caminho vagou em mim. Os passos de quem anda só são alimentados pelas chamas ardentes da saudade, não aquela saudade que a mágoa consola, não a saudade que diz lembrar-se da felicidade e que é feliz ainda. Não. Nada disso é saudade. Um velho amigo disse que a saudade é quando a alma vai passear onde ela gostaria de estar. A saudade também possui seus caminhos e descaminhos, costuma fazer moradia no peito de muitos, costuma transmudar em versos os nossos dias. Quando veste seu negro véu, vela um antigo sono que nunca vem, penetra n’alma como punhal voraz de uma donzela apaixonada que rasga o próprio peito a perder o grande amor de sua vida. É a saudade que nos diz o quanto queremos estar perto de alguém; é a saudade que traz o perfume nos sonhos – o perfume – o perfume da musa, o teu perfume, o perfume saudoso da rima musa, da musa rima, da rima minha, da minha musa.
Já caminhei por muitos caminhos, mas só agora aprendi a andar. O coração outrora gélido e inerte, esse coração covarde, coração sem verso, coração sem poesia, esse coração agora bate. A cada batida uma nova rima e a cada rima uma nova vida... O beijo é a maior expressão da saudade; no beijo as almas se abraçam e as vidas se tocam, entram na dança dos espíritos. Os corpos são meros expectadores – “anima cantat”. Na saudade – estado frenético de busca hedonística – as almas desenham uma dança numa realidade metafisicamente alternativa, dançam melodias divinas e transpassam todas as fronteiras da abóbada celeste. A saudade é a mãe das possibilidades, nutre n’alma as essências que o tempo, o verso tempo, tentou extinguir – o tempo não sabe que a saudade é atemporal, é agora, é nunca, é sempre, é depois, é hoje e também amanhã – os corpos vão e a saudade fica, fica porque as almas, sim as almas, sabem voar.
As almas costumam namorar com o encantamento – encantamento é tudo aquilo que aproxima meu corpo, mero expectador da dança das almas, do abraço “animático” da saudade. Sentir saudade é caminhar sozinho, pois, a alma ao sentir saudade, sabe que é hora de nos abandonar. Sabias que as almas não envelhecem? É elas são como águias, enxergam longe, enxergam pela transcendência das coisas; porém, nós envelhecemos pelo olhar. Nossos olhos vivem a desaprender a se encantar, deixam de rimar, deixam de fazer versos com o mundo, deixam de dançar a dança das almas.
Certa vez conheci um homem que havia estado por muito tempo perdido nos caminhos de sua alma, era uma criatura assustadora, não se assemelhava a nada que fosse humano. Sua alma estava sentada na eterna imensidão das incertezas. Como salvar esse homem? Perguntava a saudade. Respondeu o verso que não havia como. A poesia discordava, dizendo: “ele precisa de outra alma, outra alma que busque muito estar com a alma dele – saudade é quando a alma vai passear onde ela gostaria de estar. Perdido em incertezas, na cadência de fúnebres melodias, esse homem a muito havia acovardado a sua alma, mas a alma, assim como a saudade é atemporal, é todo tempo, é o tempo todo, a alma covarde de hoje não deixou de ser a mesma alma que outrora se transmudava em versos. Não efemeridade na essência das almas.
O destino é um velho amigo da saudade, na verdade o destino – desatino em algumas situações – só existe enquanto forma de conferir à saudade mais encantamento. O homem espectro de homem voltaria a dançar a dança das almas, eis que sua alma voltou a sentir saudade, deixou-se sentir saudade, voltou a voar pela infinitude que só as almas saudosas conhecem. O homem, antes espectro, voltou a sonhar, voltou a rimar, voltou a cantar – a encantar. O homem voltou a sonhar – os sonhos são fagulhas de saudade, também nos levam aonde queríamos estar. Ah! Saudade. Tu que és a mágica que inspira todos os poemas. A saudade é quando a alma vai passear onde ela gostaria de estar, é um caminho sonhoso... É onde eu estou agora – na dança das almas que reaprenderam a amar, na dança dos corpos que não precisam mais rimar, pois, que já são a própria rima. Ah! Saudade. Caminho das almas fortes, almas saudosas, almas de homem, alma minha, alma tua, alma nossa, alma nua.

Gabriel Ferreira Gabriel Ferreira Autor
Envie por e-mail
Denuncie