Poesia

Parados continuam os ponteiros

minha tosse se cansa e vai embora
procuro o buraco mais próximo para enterrar minha carcaça
os ventos correm para o norte da minha alma frágil
canetas se contorcem com a chama de minha mão
cinderela ama com os teus sete olhos abaixo dos teus vinte seios
os olhos que me tiram lágrimas nunca mais me encararam
o futuro se prende ao passar dos anos
os vívidos campos se transformaram em cinzas
as nascentes secaram
meu fim está próximo mas não me canso
continuo dançando nu nas brasas de um dia qualquer
uma garota se levanta atrás de mim
sinto-me atravessado por sua angústia
sinto o frio gelado de teus lábios grudando em meu rosto
e depois dizendo-me seu último adeus
sinto me partido por Kush
a navalha me esfola de pé a cabeça
no século XX houve homens de verdade
homens que feriam e ainda ferem com suas palavras
homens como Drummond, dona Clarice, dona Meireles
homens vindos do pó e da lua de libra
assim como eu que sou de 98 e não vivi nada demais
nada além de olhares estranhos e cigarros na esquina de casa
os ponteiros que corriam
hoje são como os patriarcas da pátria amada falsa idolatrada
sem ritmo sem música sem vida
a vertigem ataca os mais pobres semeadores de felicidade do século XXI
não existem mais poetas nem livros
os amores foram extintos graças as leis de sobrevivência na cidade de teresina
lei do qual o tempo criou
grito para que Munch escute minha súplica
peço socorro a quem for embora eu esteja na rua
não quero mais vestir a mesma roupa
já me esqueci quantas vezes o mesmo velho
passou por mim nessa manhã de terça-feira
não perturbe os pássaros
não pise nas pedras
não dê esmolas aos ricos
não dê tempo ao tempo
não fale asneiras ao governo
tudo isso é fútil
como a vida [é] de quem ama.

Vinicius F da Silva Vinicius F da Silva Autor
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