Entrevista

Entrevista com Salgado Maranhão

14 de Dezembro de 2023
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P - Como você descobriu seu amor pela poesia e o que a inspira a escrever?

R - A poesia está na minha vida desde o tempo em que eu era menino no interior do Maranhão e minha mãe levava os cantadores repentistas para nossa casa. Aquilo era tão lindo de ouvir que cheguei a pensar que essa seria a minha vida: andar pelo mundo com a viola nas costas participando de cantorias. Claro, não foi, mas, de algum modo, aquele contato com a beleza da poesia nunca mais foi esquecido. Quanto à minha inspiração, vem de todas situações onde em que há conflitos, dramas, belezas e mistérios humanos.

P - Quais são seus temas poéticos favoritos? Existe algum tópico que você evita ou acha desafiador?

R - Todos os temas são possíveis de virar poemas, só depende do talento do poeta. A poesia é uma atividade intelectual multidisciplinar e pode dissertar sobre qualquer assunto sem se comprometer com nenhum, somente consigo mesma, com sua própria rebeldia. É esse o aspecto mais interessante de sua natureza autêntica: dá certeza ao leitor sobre a veracidade do que está sendo dito. Se o poeta falseia sua verdade interior, ele não é digno da poesia.

P - Você tem alguma rotina específica de escrita? Como você encontra inspiração?

R - A poesia me chega em circunstância quase sempre inusitada. Embora eu esteja sempre com as antenas ligadas, com o subconsciente preparado para recebê-la, mas, sem forçar a barra, que haja verso sem poesia. Muitas vezes, eu guardo um poema por longo tempo na memória antes de escrevê-lo, com o fito de decantá-lo. Trata-se do processo de polir a porcelana do ritmo.

P - Qual é o seu processo de revisão e edição? Como você aprimora seus poemas?

R - Meus processo criativo se dá em duas etapas: epifania e carpintaria. Na primeira etapa eu sinto a energia criativa atuar em mim; na segunda, eu corrijo as possíveis imperfeições técnicas. Esse é um processo mais demorado, que dura até o livro ficar pronto e envolve também as revisões gráficas. É uma espécie de lavagem em 9 águas, para que o que eu quero dizer, alcance a perfeita simetria da percepção primeira.

P - Há algum poeta ou obra que tenha tido um impacto significativo em sua escrita?

R - O poeta moderno que mais impactou minha sensibilidade poética no início de tudo, foi Fernando Pessoa. Depois vieram Maiakovski, Torquato Neto (no que toca ao rompimento com a linearidade do discurso poético), Drummond e João Cabral de Melo Neto. Além dos clássicos, como Gonçalves Dias, Camões, Dante e Homero (já na Universidade). Porém, esses são só alguns entre tantos outros que me acompanham até hoje.

P - Como você vê a relação entre a poesia e as emoções? Como a poesia pode evocar sentimentos?

R - A única forma de linguagem verbal que depende fundamentalmente da emoção é a poesia. Mas, não só. É comum ver quem escreve poesia incorrer nesse equívoco. A poesia funde três virtudes do inconsciente em igual medida: a intuição, a emoção e a razão. Cada uma em seu momento. Com a intuição nos conectamos à inspiração; com a emoção desenvolvemos o poema; com a razão podamos seus excessos.

P - Você acha que a poesia desempenha um papel importante na sociedade? Em caso afirmativo, de que maneira?

R - O papel da poesia na sociedade é imprescindível. Mas não visa contemplar a fisiologia, e sim as questões emocionais e do psiquismo profundo. Como a grande maioria vive do estômago para baixo, com uma compreensão, muitas vezes, rente à dos animais, a poesia é subaproveitada. Mas, isso importa pouco, porque, seu dever é estar onde se chama por ela.

P - Pode compartilhar um de seus poemas favoritos e falar sobre o significado por trás dele?

R - Um dos meus poemas favoritos é "Autorretrato", porque trata de minha origem e das minhas vivências rurais no Maranhão profundo, onde a labuta era grande, mas, ainda maior era a experiência vivida. Um tempo neo-medieval, de pouquíssimos recursos, compensado pela grande humana.

P - Você já enfrentou bloqueio criativo? Como lida com isso?

R - Nunca enfrentei qualquer tipo de bloqueio criativo. Ao contrário, por vezes, sou eu quem precisa freiar o cavalo para melhor aproveitar a viagem. Quase sempre, estou envolvido em muitos projetos, com a sensação interna de estar atrasado com minhas próprias tarefas. Mas, não há nenhum sofrimento neste caso, só o desejo quase incontrolável de voar cada vez mais alto.

P - Qual conselho você daria a aspirantes a poetas que estão começando a explorar a escrita poética?

R - Meu conselho aos iniciantes no difícil (e ao mesmo tempo abençoado) exercício da poesia, é não ter pressa para publicar, primeiro polir o metal até decantar seu brilho, para que não tenha arrependimento mais tarde. E queimar pestanas na leitura dos grandes mestres. Ler primeiro para apreender; ler novamente para acrescentar.

Salgado Maranhão.

José Salgado Santos Costa Maranhão foi um poeta, letrista e jornalista nascido em Cana Brava das Moças, Caxias, Maranhão. Mudou-se para Teresina, Piauí, aos 15 anos, onde foi alfabetizado. Incentivado por Torquato Neto, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1972 e adotou um pseudônimo, pois Torquato achava que seu nome parecia de arquivista. Estudou na PUC e foi terapeuta corporal. Escreveu para diversas publicações, organizou coletâneas de poesia e publicou vários livros. Ganhou prêmios como o "Ribeiro Couto" e o "Jabuti" e foi estudado na Universidade de Brown, EUA. Seus poemas foram traduzidos para várias línguas. Ferreira Gullar elogiou sua obra. Em 2011, recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras “Olavo Bilac”. Em 2015, foi mencionado num livro sobre a cidade do Rio de Janeiro e em 2016 foi homenageado no Piauí, recebendo títulos de "Cidadão Piauiense" e "Cidadão Teresinense".

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